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  • Foto do escritorRachel Serodio

O que Nise pretende esconder?


No Brasil, a primeira Assembleia Constituinte de 1823 não contou com a participação de mulheres, em 1934, apenas com duas, e com a redemocratização, dos 559 lugares, apenas 26, ou seja, 5% eram mulheres.


Ao final dos anos 90 foi crescente a ampliação dos movimentos feministas e a reivindicação de direitos pelas mulheres, sendo pejorativamente o grupo denominado de lobby do batom quando da participação ativa na Constituinte de 1988. A busca, não apenas por igualdade de direitos e condições nas relações trabalhistas, civis e familiares, mas também pela maternidade,combate à violência de gênero e racial, sistema único de saúde, educação pública para todos e igualdade no direito à terra sempre foram pautas do movimento de mulheres, ainda daquelas que não se reconheciam – ainda que fossem – feministas.


Atualmente, o país é o 5º mais violento em que pese a Lei Maria da Penha seja a 3ª melhor lei no mundo na defesa e garantia das mulheres. O Brasil ainda é signatário da CEDAW e da Convenção Belém do Pará, Tratados Internacionais que buscam proteger eliminar erradicar toda e qualquer forma de violência contra mulher.


Esforço e avanço não livres de respostas conservadoras, inclusive de mulheres. O apagamento de suas histórias de luta e resistência é secular, entretanto, tais garantias legais não significam sobremaneira ruptura na estrutura fundamente de Brasil. Por outro lado, pautar gênero requer antes de tudo, conhecimento da história que deve ser e vem sendo reescrita por mulheres.


Como analise das posturas dos agentes políticos hoje, faz-se necessário um retrospecto secular e reler inicialmente o MalleusMaleficarum de forma a compreender os modelos impostos de condutas das mulheres no Estado Moderno, e a legitimação de apropriação de seus corpos, seja exterminando-as, seja recolhendo-as ao espaço privado.


“Alguns homens instruídos propõem o seguinte motivo. Existem três coisas na natureza – as línguas, os eclesiásticos e as mulheres – que sejam na bondade, seja no vício, não conhecem moderaão; e quando ultrapassam os limites de sua condição atingem as maiores alturas na bondade e as mais fundas profundezas no vício” (...) “ mais impressionáveis e mais propensas a receber a influência do espírito descorporificado “(..) possuidoras de língua traiçoeira, não se abstém de contar às suas amigas tudo que aprendem através das artes do mal, e por serem fracas, encontram modo fácil e secreto de se justificarem através da bruxaria”( SPRENGER, James KRAMER, Heinrich, MalleusMaleficarium, Rio de Janeiro, Rosa dos Ventos, 2020, pág 120/123)


Além disso, as interrupções das falas de mulheres são resquícios de séculos de exigências e apagamentos de suas vozes. Virginia Wolf ponderou: eles estão nos jornais, no parlamento, nas ruas, nas bibliotecas. Mas mesmo assim estão com raiva. Do que eles têm tanta raiva? Wolf ironiza ao dissertar sobre as mulheres e a ficção, já que elas eram personagens escritas por homens. (WOOLF, Virgínia. Um teto todo seu. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, pág 57/58).


Entretanto, a base de lutas históricas em nada se revela no depoimento de Nise Yamaguchi na CPI, que é antes de tudo lamentável. Médica negacionista e defensora do tratamento precoce e da imunidade de rebanho, se esquiva das respostas técnicas, nega a ciência e sob o manto da neutralidade avaliza a demora das vacinas que salvariam vidas desde dezembro no país.


Uma bancada composta em sua maior parte de homens não hesitou em interpela-la. Mas em que contextos os apontamentos se deram? Em busca da verdade, dado que Nise mente? Ou por exercício de silenciamento misógino por ser Nise uma mulher? Ficamos com a primeira indagação.


Nise, contudo, ciente das escolhas políticas que fez, embasada na conquista dasgarantias e direitos das mulheres, argumenta que os senadores Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, e Otto Alencar abusaram do direito e além de ilegais suas condutas foram injustas, inadequadas e desnecessárias, merecendo as mesmas que sejam coibidas e punidas severamente.


O direito de ação constitucionalmente garantido no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal é o respaldo técnico legal para que a Dra. Nise Yamaguchi ajuíze ação indenizatória. Nise é uma mulher formada, médica de renome que escolheu estar em um lado. Poderia ter buscado as garantias constitucionais para não depor na CPI. Tem advogados para mover a máquina e levar aos Tribunais as impressões de maltrato que sofreu. Mas de fato sofreu? Houve efetivamente abuso de direitos e posturas misóginas contra Nise? Pelas imagens vinculadas dos anais da CPI não.


Ofeminismo não é uma pauta individualizada ou de um grupo apenas. Não é mais crível ainda se valha do argumento de gênero quando se trata das escolhas profissionais e políticas de uma pessoa.Nise é quem deve ser responsabilizada por isso. Escolheu defender um projeto de morte que negou a vacina e teorias sem respaldo científico, entretanto, se vale dos mecanismos do sistema e também das resistências se apropriando da pauta da luta histórica de mulheres de forma individualizada desconsiderando a política que apoia.


É leviano sob o argumento de violência de gênero e misoginia, em um país que mata mulheres como este, que Nise se valha desse contexto. Precisamos relembrar as pautas históricas das lutas de mulheres acima resumidas. Onde se encaixa Nise nessas pautas? Que manutenção de vidas e da ciência que ela defende? Que projeto de poder ela compactua?

Nise é o efeito dos paradoxos das lutas. É o efeito do patriarcado que se apropria de pautas identitárias a seu favor. Quem a defende sob o manto do feminismo distorce a essência, como muitos levianamente o fazem, de uma pauta séria e cara.


Não é crível e possível que se desqualifique a luta nesses termos. Precisamos redirecioná-la e é urgente. Não é gênero que deve moderar Nise, mas ética. Fato é que ela está ao lado da destruição do que fora até hoje duramente conquistado, amparada por um discurso moralista e religioso dos que hoje estão no poder.


Não se pode esquecer mais uma vez que Nise faz parte de um projeto político de poder que nega a ciência, que não acredita na educação, que avalizou criminalmente as condutas em Manaus e mais, que não está alinhada à luta de mulheres no Brasil. Isso não significa que mulheres estejam impedidas de defende-la, mas está obvio que Nise se encontra ao lado daqueles que combatem os avanços dos direitos das mulheres. Ao invocar gênero, Nise deturpa e pretende esconder o principal; que foi desmascarada na CPI.


Que o sistema de justiça que muito se esquiva de pautar gênero, tenha sobriedade não apenas para enxergar o lado da história que Nise está, mas também de não compactuar com a artimanha identitária perpetrada por aqueles que negam a ciência e avalizam a morte de mais de 500 mil de brasileiros, que se mantém ainda em 2.500 por dia.




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